Sim, a morte de um familiar acarreta um conjunto de procedimentos administrativos e jurídicos inevitáveis a todos nós.
Inobstante as dificuldades relacionadas a perda do ente querido, compete aos herdeiros enfrentar uma gama de deveres eminentemente burocráticos, destinados a apuração dos bens, direitos e dívidas do falecido.
Há dever de comunicação do óbito junto a entidades e demais procedimentos exigidos para pagamento de imposto ou reconhecimento de sua isenção perante os serviços fiscais, após prestadas declarações exigidas pela lei.
No direito das sucessões, inventariar significar enumerar, listar, catalogar os bens deixados por alguém em virtude do seu falecimento, ou, até mesmo, a inexistência desses bens.
No momento em que uma pessoa morre, todos os seus bens e direitos são transferidos aos seus herdeiros instantaneamente, mas somente o inventário possibilita o alcance da herança líquida, ou seja, aquilo que será, de fato, transmitido aos herdeiros.
O inventário configura, então, uma ação necessária à apuração do patrimônio pertencente ao falecido, de modo a distribuí-los aos herdeiros. É este procedimento, podendo ocorrer judicial ou extrajudicialmente, que regulariza a divisão e transferência dos bens.
Trata-se de procedimento obrigatório, e em situações excepcionais, admite-se seja realizado na forma negativa, ou seja, sem bens a declarar. A finalidade é, justamente, comprovar a inexistência de bens a inventariar com objetivo de conferir certeza jurídica deste fato ao viúvo e herdeiros.
Dentre as hipóteses mais comuns que conduzem a esta modalidade negativa de inventário, cabe destacar: a) viúva deseja contrair novo casamento e escolher livremente seu regime de bens, com o que comprova não se sujeitar a causa suspensiva de casamento; b) comprovação judicial da insuficiência dos bens frente as dívidas deixadas pelo falecido, garantindo que os herdeiros só respondam até o limite da herança que receberam; c) outorgar escritura a compromissários compradores de imóveis vendidos e quitados em vida pelo falecido; d) promover a baixa fiscal ou encerramento legal de pessoas jurídicas da qual o falecido fizesse parte.
Nos dois casos, inventário extrajudicial ou judicial, é também obrigatória a presença de um advogado, que pode ser comum a todos ou individual para cada herdeiro. É indispensável que o acompanhamento e condução sejam realizados por profissional especializado, pois somente ele tem condições de elaborar uma estratégia sucessória que preserve o interesse de todos, garantindo economia.
O procedimento amigável é, sem dúvida, o mais adequado. Além de mais rápido, garante menos desgaste emocional, sendo evidente que o auxílio profissional além de reduzir a possibilidade de conflitos sobre a divisão de bens, organizará o pagamento de eventuais credores, das custas e impostos, afastando, quem sabe, a titularidade conjunta dos bens, muitas vezes incômoda no seio familiar.
Ao lado disso, somente o advogado pode eleger o melhor procedimento para o inventário, após conhecimento da existência ou não de testamento, acerca do acervo patrimonial e situação de cada bem, direito ou obrigação do falecido.
A via extrajudicial, feita em Cartório de Notas através de Escritura Pública, embora não seja menos burocrática, é mais rápida e merece preferência por este fator. Contudo, nem sempre ela é permitida ou viável.
A lei não permite quando os herdeiros discordem ou haja menor. A existência de testamento configura óbice também, mas este entendimento, ao menos aqui em São Paulo, já foi flexibilizado pela Corregedoria Geral da Justiça.
O provimento nº 37/2016 da CGJ, permite o inventário extrajudicial com existência de testamento válido, desde que o advogado dê entrada no registro judicial de testamento e peça autorização judicial para tanto. A solução é louvável frente a rigidez da lei de regência (Lei nº. 11.441/2007) e a sentida demora do procedimento judicial.
No tocante a viabilidade da via extrajudicial, há de ser afastada quando permeiem dúvidas sobre o acervo de bens ou ele não seja de todo conhecido. Também apresenta-se inviável a via extrajudicial quando a situação da família torne necessária a adoção de providências preliminares e/ou urgentes, ou, ainda, quando os herdeiros não reúnam recursos financeiros para pagamento das despesas de cartório e imposto à vista.
Definida a via, é preciso estar atento ao prazo. Os herdeiros possuem o prazo de 2 meses, contados do falecimento, para darem entrada no inventário.
Referido prazo destina-se a abertura do inventário judicial ou ao envio da declaração de imposto causa mortis a Secretaria da Fazenda no inventário extrajudicial.
Sua não abertura gera consequências no mundo jurídico, tais como: multa do imposto causa mortis (equivalente a percentual do patrimônio); impossibilidade do viúvo contrair novo casamento; congelamento do patrimônio, que não poderá ser vendido ou repartido entre os herdeiros.
E quem são os possíveis herdeiros? A sucessão poderá ser legítima ou testamentária, conforme derive da disposição legal ou da disposição de última vontade do falecido. Os sucessores legítimos são aqueles elencados na nossa lei civil: ascendentes, descendentes, cônjuges, parentes colaterais; enquanto os sucessores testamentários são aqueles indicados no testamento, e que não necessariamente são membros da família.
Dentre todos, a família, ou, na sua ausência, o juiz, deve nomear um inventariante, pessoa que administrará e zelará pelos bens até que ultimado o procedimento de inventário. Será o porta-voz da família e precisa de disponibilidade para reportar os acontecimentos, pagar dívidas e levantar documentos exigidos pela lei. Consulte aqui a lista de documentos necessários.
Sobre o imposto causa mortis, ele é declarado no sistema da Secretaria da Fazendo do seu Estado, com atribuição de valores aos bens e qualificação dos herdeiros. Após preenchimento, uma guia é emitida para recolhimento em nome de cada interessado, com o valor pertinente a quota-parte a ser recebida por cada um. Toda a documentação é submetida à Fazenda para conferência sobre os lançamentos e recolhimentos efetuados, sem o que o processo não finaliza. Os percentuais
estabelecidos para cálculo do imposto variam até 8% sobre o valor total do acervo, sendo que no estado de São Paulo a alíquota é de 4%.
Vale esclarecer que a multa pelo não atendimento do prazo não é atribuída pela nossa legislação processual ou civil, mas sim pela lei de cada Estado. Aqui em São Paulo, corresponde a 10% sobre o valor do imposto, se o atraso for maior de 60 dias e menor que 180 dias; ou de 20% sobre o imposto se o atraso for superior a 180 dias do óbito. Sua aplicação não é feita pelo juiz, mas pela Fazenda Estadual, embora possa ser afastada, desde que existente justo motivo, mediante autorização judicial.
Possível, ainda, incidir o importo de transmissão de bens inter vivos (ITBI), na hipótese da partilha desigual, ou seja, quando um herdeiro fica com uma parte maior do patrimônio em relação ao outro. Na parte excedente, a lei entende que ocorreu efetiva compra e venda, no lugar da transmissão pelo falecimento do parente comum, o que faz surgir hipótese de incidência diversa e condizente com este outro imposto.
Mas esse desfecho dependente da forma como ocorreu a divisão dos bens, sendo de suma importância a coordenação de um advogado, que conduza a solução para um caminho econômico e, na medida do possível, alheio a conflitos.
Após qualificados os herdeiros, declarados e valorados os bens e direitos, pago os impostos devidos (ITCMD e ITBI) e custas judiciais ou de cartório, será emitido o documento final (Formal de Partilha ou Escritura Pública) que afiança a regularização da situação do seu familiar falecido. Somente com ele em mãos será possível transferir os bens para o seu nome, mediante registro nas matrículas dos Cartórios de Registro Imobiliário, no Detran e demais órgãos, bem como receber os ativos e valores em dinheiro porventura existentes.
Daniela Garcia Mehringer de Azevedo Cunha é advogada, membro do corpo jurídico do escritório Celestino Venâncio Ramos Advocacia.