Planejamento Sucessório, um quebra-cabeça que vale a pena montar!

Sabemos que a morte é a única certeza que temos na vida. Mas isso não torna fácil pensarmos no momento que não estaremos aqui, no controle do que hoje nos pertence e alcança, diariamente.

Conversas sobre herança e partilha de bens são frequentemente associadas a desarranjos familiares e disputas acirradas entre herdeiros.

Não precisa ser assim. E nem deve.

O planejamento sucessório, ainda hoje, é parcialmente conhecido e pouco utilizado por muitas pessoas. No entanto, ele é forte aliado na solução de preocupações normais que atingem todos nós.

Tais preocupações não ganham relevância apenas para quem é milionário ou dono de empresa grande. Qualquer pessoa que tenha bens pode adotar providências buscando preservar sua vontade e prevenir conflitos futuros. Isso é planejar!

Vivemos uma época em que falta clareza no Direito Sucessório. Os dispositivos de lei são de compreensão difícil, gerando discussões infindáveis até entre os operadores do direito. As decisões dos nossos tribunais são diferentes, o que traz enorme insegurança.

O planejamento sucessório apresenta-se como alternativa de compor esse cenário, contornando a sucessão imposta pela lei, e atendendo a vontade do titular do patrimônio no sentido de assegurar o acervo privado e, também, a continuidade das empresas, especialmente as familiares.

Como imaginar a sucessão empresarial focada apenas no negócio, quando diversas são as contingências civis factíveis, como, por exemplo, divórcios, nascimentos, falecimentos, novos casamentos, dívidas? Impossível!

E quem nunca pensou em deixar algo para instituições de caridade? O planejamento organiza e possibilita colocar isso em prática.

Aspectos como quantidade de imóveis, regime de casamento, existência de filhos oriundos de casamento anterior, existência de ativos fora do país, também são aspectos a serem considerados quando se pensa no planejamento sucessório.

Acima de tudo, o momento da vida, a estrutura da família e as SUAS exigências e condições devem permear a estratégia de transmissão dos bens quando acontecer o inevitável falecimento.

Essa imposição de condições e, de igual forma, a atribuição dos bens a uma determinada pessoa (herdeira ou não), facilita a partilha futura, não tenha dúvida. No mínimo, impede que a demora do processo de inventário acarrete prejuízos aos herdeiros.

Outros institutos de direito civil possuem reflexos sucessórios ainda que não tenham, em sua maioria, direto cunho patrimonial. São eles: o reconhecimento de filho, perdão de eventual herdeiro indigno, a deserdação de herdeiro necessário, instituição de bem de família em relação a 1/3 (um terço) do patrimônio líquido existente, assim como a nomeação de tutor a filhos menores (respeitados alguns requisitos legais).

E estarão alinhadas a todos esses aspectos, as exigências legais e a carga tributária. Sim, é possível pagar menos impostos, avaliando e driblando os custos – onerosos – que envolvem a sucessão.

Inúmeros são os procedimentos adotados em vida pelo titular da herança nesta atividade preventiva de definir o destino de seus bens após a morte.

A definição do instrumento para transmissão da herança dependerá do valor envolvido e do tipo de bem existente. O inventário é dispensado para alguns, mas obrigatório para outros.

Dentre os vários mecanismos jurídico-financeiros usados no planejamento sucessório, mais de um pode ser utilizado por uma mesma família. Tudo depende do contexto.

Testamentos, doações, instituição de fideicomisso (alcançando aquele que não tenha sido concebido por ocasião da morte, mediante instituição de herdeiros sucessivos), apólices de seguro, previdência privada, instituições de fundos e constituições de sociedade, estão dentre as possibilidades.

Os mecanismos mais populares de garantir a segurança financeira da família são: testamento e doação em vida.

O testamento exige formalidades próprias e tem limitações (CC, Artigo 1862). Contudo, permite aumentar e diminuir os direitos de um herdeiro necessário em detrimento de outro.

Sob este aspecto, nossos direitos sucessórios são subdivididos entre herança legítima e parte disponível. A herança legítima corresponde a 50% do patrimônio da pessoa falecida que cabe aos herdeiros necessários (herdeiros definidos pela lei), consistindo, portanto, na parte indisponível da herança. A autonomia da vontade aqui restringe-se  a sujeição da herança a cláusulas restritivas de direito, tais como: inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade; e desde que a imposição seja motivada.

Já a parte disponível corresponde aos outros 50% do patrimônio que pode ser livremente disposto, isto é, a pessoa goza de plena liberdade para definir a forma e beneficiados que melhor lhe conviver. Quando é omisso, ou seja, se nada dispõe em vida, os ditames legais regerão a divisão de todos os seus bens.

Através de um testamento, você pode favorecer um herdeiro de sangue, seu filho, em detrimento de sua esposa. Citando um exemplo para ilustrar a diferença que isso pode trazer na prática: Homem com esposa e filho, tinha dois imóveis anteriores ao casamento e adquire mais dois durante a constância da união. Pela lei, esposa ficaria com dois imóveis e o filho com dois, sendo que se o pai deixar sua parte disponível ao filho, supondo hipoteticamente pela existência exclusiva destes bens no acervo, o filho herdaria três imóveis e a esposa apenas um. O ‘vice-versa’ é possível e ocorre com frequência também, quando a esposa é contemplada com a parte disponível e somaria os dois imóveis condizentes com a parte disponível à sua meação.  O inventário é sempre necessário quando há um testamento contendo as disposições de última vontade do falecido.

Já a doação em vida ocorre mediante disposição da parte disponível (CC, Artigo 2018) ou adiantamento da legítima (CC, 544 c/c 2002).

A primeira opção configura verdadeira sucessão antecipada, pois configura doação que dispensa colação e, não existindo outros bens, pode dispensar o inventário, desde que preservados os direitos dos herdeiros necessários.

O adiantamento da legítima, como diz o nome, configura doação aos herdeiros necessários da parte patrimonial que iriam herdar. Aqui é necessária a colação (conferência do valor das doações), no intuito de salvaguardar a igualdade dos quinhões (CC, Artigo 2002). Havendo dispensa de colação, entende-se que o bem doado correspondeu à parte disponível da herança. É corriqueiro o adiantamento da legítima na famosa doação com reserva de usufruto. Você conserva a posse e transfere a propriedade, de forma nua, sendo que, quando da sua morte, o usufruto termina e a propriedade fica consolidada na pessoa do nu-proprietário, sem que seja preciso fazer inventário.

A doação em vida, portanto, é mecanismo que permite a transmissão antes do falecimento, desonerando os herdeiros dos custos, demora e eventuais conflitos que podem decorrer do processo de inventário.

Já quando há empresa dentre os bens, a proteção do patrimônio pessoal do fundador deve ser uma realidade. O planejamento que vise a perenidade da empresa tem direta relação com preservação do patrimônio pessoal no intuito de evitar a rotineira confusão patrimonial (pessoal x empresarial).

Há mecanismos através dos quais os herdeiros assumem o negócio imediatamente após o falecimento dos fundadores, evitando incidência de tributos e, principalmente, com a vantagem dos fundadores ditarem as regras, segundo a bagagem e experiência que o tempo lhes garantiu ostentar. Dentre eles: a instituição de uma ‘holding familiar’ (mais popular), a instituição de um Fundo de Investimento em Participações (FIP) ou a constituição de um ‘Trust’ em um país estrangeiro.

Na verdade, estes e outros mecanismos antes mencionados, tais como previdência privada, fundos fechados, as chamadas ‘Escrow Accounts’, Fundos Imobiliários, não poderiam ser aqui esmiuçados, tendo em vista as regras específicas que possuem.

Vale finalizar falando, no entanto, no que se refere às famílias que tenham empresas em seu universo patrimonial, sobre o instituto mais utilizado no Brasil, a ‘holding familiar’. Esta nada mais é do que uma empresa sob a qual são colocados os bens da família, recebendo cada herdeiro cotas ou ações, adquirindo, então, direito a seus frutos e podendo vendê-las. A admissão dos herdeiros enquanto sócios minoritários permite a celebração de acordo de quotistas que discipline o processo sucessório.

Maria Helena Diniz aponta enquanto atrativo a redução da carga tributária, além de afastar o pagamento do imposto causa mortis, e conceitua: “É uma pessoa jurídica que substitui a pessoa física, agindo como sócia ou acionista de outra empresa” (Manual das Sucessões, Editora Revista dos Tribunais: 2013, p. 392).

O planejamento sucessório através de uma ‘holding’ pode ocorrer de várias formas, por exemplo, cessão progressiva de quotas aos herdeiros, transferência da totalidade das quotas com cláusula de usufruto aos fundadores, direito de compra e venda conjunta, cláusula de não-concorrência, requisitos mínimos para cargos de administração, etc. Podem, até mesmo, ser criadas mais de uma ‘holding’, uma operacional e outra patrimonial, definindo-se o tipo societário, separando patrimônio pessoal e empresarial, enfim, permeando a partilha em vida com abrangência de estipulações.

Na opinião da conceituada Maria Helena Diniz, na obra já citada: “Trata-se de método que atende a qualquer problema de ordem pessoal ou social, podendo equacionar as conveniências de seus criadores, tais como casamento, divórcio, comunhão de bens, autorização do cônjuge para venda de imóveis, procurações, disposições última vontade, etc. A cada tipo de problema existe um tipo de holding que, aliada a outros documentos, pode suprir necessidades humanas, apresentando soluções legais em diversas formas societárias. (…) A holding familiar facilita a sucessão hereditária e a administração dos bens, garantindo a continuidade sucessória sem necessidade de se aguardar a demorada tramitação do processo de inventário. Nada impede que o contrato social preveja o não ingresso de cônjuges, companheiros ou certa classe de herdeiros nos quadros sociais, dado o aspecto pessoal das cotas sociais” (p. 392).

Como dissemos, o uso combinados dos institutos civis, societário e financeiros, complementam o planejamento e possibilitam alcançar economia tributária.

Assim é que o planejamento sucessório, em muitos casos, se não impede a etapa judicial, culmina por diminuí-la de forma substancial.

Fique em paz. Abandone a inércia. Seja precavido. Esteja seguro. Planeje e proteja seu patrimônio, sua empresa, evitando exatamente o que você teme: a sadia relação da sua família. As futuras gerações agradecem.

Daniela Garcia Mehringer de Azevedo Cunha é advogada, associada ao escritório Celestino Venâncio Ramos Advocacia.

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