Recente decisão iguala direitos sucessórios entre cônjuges e companheiros
A Constituição Federal de 1988 reconheceu a união estável e a família monoparental como entidades familiares, ao lado do casamento.
A partir daí, nosso ordenamento jurídico demonstrou sua intenção de proteger, no que diz respeito à família, a comunhão de afeto para formação saudável e feliz de seus membros.
No entanto, a verdade é que o ordenamento jurídico, desde aquela época (e até hoje), não destina tutela apenas a tais entidades familiares, quiçá de forma igualitária entre elas, nominadas ou não pelo sistema.
A união estável é a entidade familiar, diversa do casamento, mais reconhecida atualmente.
Enquanto o casamento demanda prévia interferência estatal como condição de sua existência (habilitação e celebração), a união estável, e da mesma maneira a família monoparental, demanda reconhecimento e interferência posterior, quando necessário.
Afetivamente falando há coincidência entre união estável e casamento, porém, no aspecto externo, relacionado a terceiros (não aos companheiros), os efeitos jurídicos são diferentes. Em razão disso, mesmo após tanto anos, a união estável é entidade permeada por inúmeras dúvidas.
O tratamento desigual entre cônjuges e companheiros sempre foi questão das mais discutidas, especialmente no que diz respeito à finalidade sucessória.
O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL reconheceu a dialética constitucional do tema, bem como a existência de repercussão geral diante da relevância social e jurídica que o envolve em todo território brasileiro.
Daí porque o Recurso Extraordinário n. 878.694, levado a nossa Corte Maior, discutiu a diferença de regime sucessório entre cônjuge e companheiro, pautado na tese da inconstitucionalidade do Código Civil.
Corrente forte defendia a inconstitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil, pretendendo equiparação dos direitos do companheiro com àqueles praticados em relação ao cônjuge nos termos do artigo 1829 c/c artigos 1838 e 1839.
E essa corrente venceu o debate por maioria de votos.
Votaram pela inscontitucionalidade da distinção entre cônjuge e companheiro no regime sucessório: Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello, e Cármen Lúcia.
Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski votaram pela constitucionalidade da diferença estabelecida na lei.
O julgamento, considerado histórico, aconteceu na plenária do dia 10 de maio de 2017, e torna inconstitucional a distinção entre cônjuge e companheiros para fins sucessórios, tendo sido divulgada a decisão da forma seguinte:
O Tribunal, apreciando o tema 809 da repercussão geral, por maioria e nos termos do voto do Ministro Relator, deu provimento ao recurso, para reconhecer de forma incidental a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 e declarar o direito da recorrente a participar da herança de seu companheiro em conformidade com o regime jurídico estabelecido no art. 1.829 do Código Civil de 2002, vencidos os Ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que votaram negando provimento ao recurso. Em seguida, o Tribunal, vencido o Ministro Marco Aurélio, fixou tese nos seguintes termos: “É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”. Ausentes, justificadamente, os Ministros Dias Toffoli e Celso de Mello, que votaram em assentada anterior, e, neste julgamento, o Ministro Luiz Fux, que votou em assentada anterior, e o Ministro Gilmar Mendes. Não votou o Ministro Alexandre de Moraes, sucessor do Ministro Teori Zavascki, que votara em assentada anterior. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 10.5.2017.
O estudo deste caso evidencia que algumas diferenças entre união estável e casamento decorrem da natureza jurídica dos institutos em si considerados, sendo, então, legítimas. Como exemplo, a presunção legal da paternidade (CC, Artigo 1597) e a vênia conjugal para prática de certos atos da vida civil (CC, Artigo 1647), presentes no casamento e ausentes na união estável.
De fato, a prova pré-constituída da relação impacta na aplicação das hipóteses de presunção da paternidade, assim como torna irrazoável exigir de terceiros o cuidado pela assinatura do companheiro para certos atos, sob pena de invalidade do negócio jurídico, quando é possível que eles, os terceiros, não saibam da existência e conteúdo da relação daqueles com quem contratam. Trata-se de aspecto externo, que atina a relação do casal perante terceiros.
No que tange ao aspecto interno, a solenidade ou informalidade envolvidas na constituição da relação, não deve diferenciar os institutos. O resultado do julgamento pretende, justamente, afastar distinção naquele que é o aspecto interno. Ou seja, no que diz respeito ao vínculo afetivo, as entidades familiares não se distinguem e merecem equiparação.
O ordenamento jurídico não poderia, segundo entenderam, estabelecer direitos e deveres desiguais entre casamento e união estável, se o princípio da solidariedade familiar está estabelecido de maneira idêntica em ambas. Não só os direitos sucessórios, mas os direitos previdenciários e de alimentos, pautados nesse denominador comum, já equipararam as referidas entidades familiares há tempos, viabilizando a estipulação das mesmas regras aos seus membros.
A verdade é que a inexistência de hierarquia entre as plurais entidades familiares é uma conclusão que, pelo caminhar dos tempos, precisará ser incorporada na sociedade, vez que, em essência, todas são meios para o livre desenvolvimento da personalidade de seus componentes.
Daniela Garcia Mehringer de Azevedo Cunha é advogada, associada ao escritório Celestino Venâncio Ramos Advocacia.